Lendo, ou melhor, saboreando a biografia do Servo de Deus Lafayette da Costa Coelho, coletânea de dados biográficos, fatos e acontecimentos criteriosamente reunidos em livro pelo Pe. Ismar Dias de Matos, coloco por escrito a impressão que me ficou bem nítida:
Certamente Lafayette da Costa Coelho não foi um João Maria Vianney, o santo cura d'Ars. Com certeza Santa Maria do Suaçuí não é em nada parecida com a cidadezinha de Ars. Como sacerdotes, porém, os dois são bem parecidos. João Vianney teve uma paróquia pequenina cujo território ele podia percorrer a pé em todas as direções e freqüentemente o fazia. Cônego Lafayette enfrentava longas viagens de carro ou a cavalo para se fazer presente às numerosas comunidades de sua paróquia ou para se colocar à cabeceira de enfermos que residiam longe de Santa Maria e solicitavam sua presença confortadora que os dispusesse para comparecer diante do Senhor. A semelhança entre João Maria de Ars e o Lafayette de Santa Maria é que ambos agiam com a mesma fé no Cristo ressuscitado, a mesma paciência com as pessoas, a mesma serenidade face às intempéries ou ao cansaço físico, os dois viviam o mesmo amor a Deus e a mesma caridade para com aqueles e aquelas em favor dos quais exerciam o ministério da salvação.
Como eram parecidos esses dois servos de Deus! João Vianney era homem de oração e contemplação contínuas. Cônego Lafayette madrugava para recitar Matinas e Laudes, a grande oração da manhã do Breviário dos Monges e de todos os padres diocesanos até que veio a reforma determinada pelo Concílio Vaticano II. Na época de Cônego Lafayette, Matinas tinha três "Noturnos", cada um com três salmos e três leituras, o que significa um tempo três vezes superior ao que se emprega hoje, após a reforma do Ofício Divino, nesse tempo matinal de oração. E não ficava só no "Breviário". Após a recitação de Matinas e Laudes, ele dava início a um longo tempo de meditação seguindo o modelo praticado antigamente no Seminário. Eram as célebres Meditações de Hamon. Os sacerdotes que se hospedavam em sua casa eram gentilmente convidados a rezar junto com ele. Desse privilégio eu pude desfrutar várias vezes, durante os anos 1953-1955 quando, na condição de Missionário Diocesano da Irmandade da Providência, visitei com freqüência Santa Maria e me hospedava com o Cônego Lafayette na Casa Paroquial.
Como João Vianney, Cônego Lafayette não era homem de grandes arroubos oratórios. Sua pregação era simples e coloquial. Parecia mais um catequista do que um orador. O palavreado acessível ao povo na pregação, o estilo direto nas conversações e o esforço de ouvir com atenção o interlocutor atingiam mais fundo as pessoas do que os grandes sermões de ocasião ou os arrazoados eruditos. Numa palavra, posso assegurar que em minha convivência com o Cônego Lafayette, não percebi nada de extraordinário a não ser sua extraordinária simplicidade e transparência em tudo o que fazia ou dizia. Seu irmão, Monsenhor José da Costa Coelho, era pároco de Senhora do Porto. Os dois se visitavam com freqüência e, apesar dos estilos diferentes, eram muito unidos. Numa dessas visitas, Monsenhor Coelho chamou a atenção de Cônego Lafayette porque, celebrando a Missa na Matriz de Senhora do Porto, ele deu a comunhão a senhoras que não traziam a cabeça coberta com o véu ou vestiam roupas de mangas curtas. Cônego Lafayette respondeu com seu sorriso característico: "Eu não vejo". Sua atenção não se fixava no exterior. Ele via mais longe e mais dentro. Ele articulava muito bem a obediência às prescrições dos superiores com o respeito devido às pessoas, a compreensão, a tolerância, a caridade para com todos enfim.
Conta-se que um ateu foi a Ars movido tão somente pela curiosidade. Ele queria entender por que tantas pessoas da França e até de países vizinhos se deslocavam para um lugarejo tão inexpressivo como Ars. Ao retornar, o ateu não perdia mais Missa dominical nem comunhão. Perguntaram-lhe admirados: "Doutor, o que foi que o senhor viu em Ars para voltar tão mudado?" Ele respondeu: "Vi Deus num homem". O povo de Santa Maria que conheceu o Cônego Lafayette dá o mesmo testemunho com estas ou com palavras equivalentes: "Vimos Deus num homem".
Que a leitura dos fatos e dos depoimentos reunidos em livro pelo trabalho diligente do Pe. Ismar possa ajudar quantos a ele tiverem acesso a conhecer um pouco da vida e do ministério do Servo de Deus Lafayette da Costa Coelho. É forçoso confessar que os fatos narrados e os depoimentos dados, por mais fidedignos que sejam, não conseguem transmitir o que se sentia na presença e na convivência com o Cônego Lafayette. É algo que palavras não traduzem: Deus num homem.
E que a memória de Cônego Lafayette desperte nos fiéis cristãos maior devoção e maior compromisso com a causa da evangelização. Que faça crescer no Clero a mística do serviço humilde e simples aos que foram confiados aos desvelos pastorais de cada sacerdote.
Dom José Maria Pires
Arcebispo Emérito da Paraíba
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